Reforma Agrária seus Conflitos e as Possíveis Soluções por Meio da Mediação


INTRODUÇÃO
A questão fundiária do Brasil é antiga, pautando-se pela justa distribuição da terra para atender o produtor e o desenvolvimento da produção no Brasil. Nesse sentido, as políticas de acesso à terra precisam estar atreladas de modo que não haja concentração fundiária, até mesmo pela necessidade de erradicar a pobreza no país. No decorrer da história os movimentos sociais engendrados pelos camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais foram responsáveis por articular a luta pela conquista da terra. Todavia, mesmo com os progressos conquistados ao longo dessa trajetória histórica, ainda não se tem uma solução estruturada para enfrentar os conflitos agrários por se tratar de uma questão complexa e polêmica. Uma solução que vem sendo discutida para os conflitos é a mediação. Assim, o artigo tem como objetivo discutir sobre a reforma agrária seus conflitos e as possíveis soluções por meio da mediação.

DESENVOLVIMENTO
O termo reforma agrária se refere à distribuição, posse e uso de terras. No cenário brasileiro, ela foi colocada em discussão ao final de 1950, com as discussões das chamadas reformas de base, principalmente através das reformas: agrária, bancaria, urbana e estudantil (STEDILE, 2013).
A reforma agrária ganhou destaque devido ao apelo popular pelo término dos latifúndios e por melhorias, no campo, das condições de vida. Essa distribuição das terras para pequenos produtores, além de minimizar as desigualdades sociais, tornaria as terras mais produtivas, melhorando a economia brasileira.
O Estatuto da Terra, no período da Ditadura Militar, vigente até os dias atuais foi à primeira declaração oficial da reforma agrária no Brasil. Esse documento versa sobre a responsabilidade do Estado em garantir a terra para aquele que nela vive e trabalha. No decorrer das últimas décadas houve a criação do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA); a extinção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), bem como, sua volta com a Criação do Ministério Extraordinário de Política Fundiária e da criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) (MARTINS, 2000).
Cabe salientar que todas essas iniciativas culminaram para a criação de uma política direcionada à luta, em prol da reforma agrária, agregando a sustentabilidade rural em prol da democratização da terra. Lembrando, que o MST teve um importante papel nessa luta e pela transformação social do país (STEDILE, 2013).
Entretanto, apesar dos importantes avanços na política fundiária brasileira, estas não foram suficientes para resolver as demandas pela democratização do acesso a terra. O fato é que o contexto dos conflitos fundiários se apresenta de forma velada no dia a dia das organizações civis e movimentos de direitos humanos, atuando desde o ponto de vista da assistência jurídica a defesa popular.
            O protagonismo judicial, nesse cenário, tornou-se mais amplo, exigindo a busca por alternativas voltadas à mediação dos conflitos fundiários, no Brasil, de modo pacifico, repensando a cultura do litígio (BRASIL, 2013).
A resolução de conflitos agrários vem sendo discutida em pesquisas com vistas à formulação de políticas públicas de mediação para a questão agrária e a complexidade que a envolve. Alguns caminhos estão em tramite, no judiciário, para mudar essa realidade e resolver os conflitos fundiários de maneira mais eficiente (VIANA, 2014).
O primeiro passo já foi dado com a aprovação do Projeto de Lei do Senado n. 406/2013 que trata da mediação.  Tem-se também a pretensão de se criar um curso voltado para a mediação englobando políticas públicas, direcionado aos setores públicos que atuam em conflitos fundiários. Bem como a criação de um cadastro nacional para mediadores, que se encontra em andamento com apoio do Ministério da Justiça.
Já houve conflitos bastante violentos envolvendo a questão agrária e a mediação foi importante na resolução do mesmo. O caso ocorreu em Comodoro, Mato Grosso, no ano de 2017, em que três mediadores judiciais ligados ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado, conseguiram pacificar 500 famílias que ocupavam uma área no município (SAITO, 2017).
A terra em disputa era parte de massa falida de um complexo de propriedades pertencentes a uma empresa presente em varias regiões do Brasil. A intervenção dos mediadores foi exitosa, impediu o confronto armado com a polícia, conseguindo a retirada pacifica das famílias da área ocupada.
A análise em torno de algumas experiências público-institucionais de mediação de conflitos fundiários rurais revelou que esses conflitos se traduzem em um contexto de extrema complexidade de judicialização que exige do judiciário uma abordagem planejada e incorporada em suas diferentes categorias e condutas forenses (BRASIL, 2013).
Dessa forma se faz necessário a capacitação dos agentes encarregados para solucionar os conflitos. Ainda o uso de meios dialógicos, comunicativos e alternativas extras judiciais como audiências e mediação pública. Visão panorâmica para que se possa vislumbrar uma abertura organizacional da autoridade jurídica para a tomada de decisão junto aos agentes sociais e instituições públicas.
Diante do exposto cabe ainda pontuar que a organização fundiária brasileira é fruto de um processo de colonização marcado pela exploração e orientado por uma elite econômica ruralista, diga-se exerceu grande influência nas decisões políticas da nossa nação até o fim da Primeira Republica, quando as classes sociais mais oprimidas começam a clamar por representação política.
No cumprimento dos mecanismos constitucionais nos arts. 186 a 191 verifica-se a função social da posse da terra enquanto preceito essencial ao bom andamento do sistema econômico e social, ou seja, a exigência de se cumprir a finalidade da função social da terra através da ação do Estado (BRASIL, 2016).
Ao examinar os entraves impostos a concretização da reforma agrária em nosso país e as possíveis causas para essa situação que se arrasta. Um desses obstáculos é a espinhosa aplicação do instituto da desapropriação que se depara com entraves históricos, políticos e ideológicos arraigados, ainda que, perante a ótica jurídica existe uma base legal significativa de sustentáculo para a efetivação do instituto, diga-se de passagem, sem o qual a reforma agrária não acontece.
É notória que a desapropriação, é a forma pela qual o poder estatal determina limites à propriedade privada. Conforme o legislador Mello (2001) a desapropriação pode ser definida como:
[...] o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real (MELLO, 2013, p. 882).

Pela leitura fica claro que legislador ao conceituar a desapropriação enfatiza sua  finalidade de preservar a função social, modo legal constituída pela nossa Lei maior que em seu art. 22, II, declara ser de competência exclusiva da União  legislar sobre tal instituto.
Assim, na ordem jurídica, a desapropriação se constitui no mais relevante instrumento para a efetivação da reforma agrária, todavia tenha-se o entendimento da possibilidade de sua promoção através de outros meios como, por exemplo, a tributação gradativa sobre propriedades rurais extensas, promoveria a desestímulo a agregações fundiárias,  alcançando do mesmo modo os propósitos de uma reforma.
O fato é que o assunto em voga é polêmico e envolve a avaliação cautelosa de vários fatores: históricos, culturais, sociais, políticos, econômicos, ideológicos e jurídicos e nesse sentido é importante que haja investimento do poder público nesta demanda, pois, entende-se como fundamental a mediação na relação entre a população e o estado de modo a atender os anseios populares em relação à propriedade e a realização da função social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que as pesquisas apontam para uma análise das práticas públicas organizacionais de mediação, no sentido de investigar meios avançados e culturas institucionais arquitetadas para que se avance quanto à falta de capacidade e obstáculos institucionais e judiciais no tocante aos conflitos agrários.

REFERENCIAS
BRASIL, Ministério da Justiça. Casos emblemáticos e experiências de mediação: análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013.

______. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado n° 406, de 2013. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/114641> Acesso: 25 mar. 2019.

______. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. – Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016.

MARTINS, José de Souza. Reforma agrária: o impossível diálogo sobre a História possível. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 11(2): 97-128, out. 1999 (editado em fev. 2000).

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

SAITO, Lígia. Mediação promove pacificação social de 500 famílias em Comodoro. Jornal do Advogado, 2017. Disponível em: <http://jornaladvogado.com.br/jornal-impresso/> Acesso: 08 abr. 2019.

STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil: debate sobre a situação e perspectiva da reforma agrária na década de 2000. São Paulo: Expressão Popular, 2013.

VIANA, Cintia Portugal. Mediação como Política Pública de Estado em Conflitos Fundiários Urbanos no Brasil: reflexões sobre a proposta do Artigo 579 do Projeto do Novo Código do Processo Civil – CPC. O Social em Questão - Ano XVIII - nº 31 – 2014.

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