Direito Penal: A implementação do ‘plea bargain’



O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou o pacote anticrime, cujo objetivo é endurecer o combate à corrupção, aos crimes organizados e aos crimes violentos, promovendo algumas alterações na legislação. Incluso na proposta desse projeto "anticrime", tem-se a implementação do plea bargain, como é conhecido nos EUA, um meio de "negociação de conflito" que pode ser definido como uma prévia negociação no julgamento entre o acusado e o ministério público, onde o acusado concorda em se declarar culpado em troca de concessões pela promotoria, ou seja, os réus se declaram culpados em acusações menores e com isso a promotoria tiraria as acusações maiores. O objetivo principal dessa "negociação" é a redução na demanda de processos que sobrecarregam o judiciário. (GOSH, 2013)
Na apresentação, o ministro Sergio Moro explica, sobre essa forma de negociação: "Acordo de colaboração (...) foi amplamente utilizado na Lava Jato: é um criminoso que resolve trair os seus pares, colaborar, entregando crimes de terceiros, além do dele mesmo, e por isso recebe os benefícios. E o plea bargain – ele [acusado] confessa, admite e negocia a pena (...). A ideia é diminuir os custos do processo judicial, a velocidade e tramitação do processo para aqueles casos nos quais haja confissão circunstanciada se possa resolver casos sem o julgamento custoso".
Não é uma prática recente. Há evidências de sua utilização nos Estados Unidos da América mesmo antes da Guerra Civil naquele país (1861) e de ter se tornado o meio predominante de administração da justiça pouco depois (MAYNARD, 1984).
Segundo a repórter Ana Carolina Moreno (2019), a barganha proposta por Moro criaria uma nova opção para o judiciário, já que no Brasil a Justiça trabalha com o conceito da presunção de inocência, e não com a confissão de culpa.
O que trouxe muito conflito no meio jurídico, onde há uma divisão entre aqueles que apoiam, e os que criticam. Tendo em mente que, o plea bargain é uma coação, onde o acusado se declara culpado temendo a possibilidade de uma condenação mais grave, mesmo que possa ser inocente, evitando qualquer tipo de processo. (LOPES, 2019)
 Langbein (2017) explica como funciona atualmente nos Estados Unidos:

nós coagimos o acusado contra quem encontramos uma causa provável a confessar a sua culpa. Para ter certeza, nossos meios são muito mais elegantes; não usamos rodas, parafusos de polegar, botas espanholas para esmagar as suas pernas. Mas como os europeus de séculos atrás, que empregavam essas máquinas, nós fazemos o acusado pagar caro pelo seu direito à garantia constitucional do direito a um julgamento. Nós o tratamos com uma sanção substancialmente aumentada se ele se beneficia de seu direito e é posteriormente condenado. Este diferencial da sentença é o que torna o plea bargaining coercitivo. Há, claro, uma diferença entre ter os seus membros esmagados ou sofrer alguns anos a mais de prisão se você se recusar a confessar, mas a diferença é de grau, não de espécie. O plea bargaining, assim como a tortura, é coercitivo.

Analisando a situação, é entendível que não seria uma opção muito viável, considerando que por conta desse acordo, os Estados Unidos hoje são a maior população carcerária do mundo, com mais de 2,2 milhões de presos, e o Brasil sofre com a superlotação dos presídios.
Em um debate, o deputado Marcelo Freixo (2019), ressalta sobre esse problema:
Primeiro, o maior problema é que o pacote não tem previsão de
quanto vai aumentar essa população carcerária. Eles não têm,
como qualquer projeto de lei deveria ter, uma estimativa de
crescimento da quantidade de presos por uma questão social e
orçamentária, o que é gravíssimo. Se aumentar em demasia a
população carcerária, haverá impacto orçamentário
nos estados. (...) Hoje 42% dos presos são presos provisórios.
Nenhum índice de criminalidade foi reduzido porque a
população carcerária aumentou e isso ninguém consegue
defender. (...)

Ele ainda comente sobre o plea bargain, criticando a possível implantação:
(...) Nos EUA, isso está sendo revisto, porque é visto como um dos
principais responsáveis pelo aumento da população carcerária
americana, e eles têm isso como um grande problema. Nos EUA,
querem rever isso porque virou uma indústria e eles não sabem
mais o que fazer. No Brasil, tem um elemento que eu sempre uso
para questionar que é: Como é que você vai fazer a barganha entre
Ministério Público e réu se 65% das comarcas brasileiras não têm
defensoria pública? Como se pode pensar nisso diante da tamanha
fragilidade do instrumento de defesa do réu? Diante dos cárceres,
das condições, a chance de o réu assumir crimes que ele nunca
cometeu — e a Justiça na verdade ser ilusória — é muito grande.

Apesar de muito criticada, ainda sim muitas entidades de magistrados deram apoio ao projeto, algumas alegando que ainda precisa de ajustes, e outras o viram com bons olhos. O deputado Capitão Augusto, um dos que viram o projeto com bons olhos, se posicionou em relação ao plea bargain, segundo ele, só traz benefícios, e que há uma economia processual muito grande, não tendo a menor possibilidade de acusar um inocente porque só pode usar tal barganha se tiver a certeza absoluta do cometimento do crime. (PIVA, 2019)
Podendo também ser considerado um procedimento alternativo de justiça, levando em conta que sua negociação e resolução são feitas sem processos, assim reduzindo o número de casos que abarrotam o sistema judiciário. Diante disso, é possível ver que se não for bem pensado, tal implementação, mesmo aliviando a justiça diminuindo a demanda de processos, não trará benefícios, é uma situação em que o estudo do projeto tem que ser meticuloso, visando tanto a economia quanto a segurança do país.






Referências
GHOSH, Soura Subha. Plea Bargaining - An Analysis of the concept. India, 2013;
MAYNARD, Douglas W. Inside plea bargaining. NewYork: Plenum Press, 1984;
JR., Aury Lopes. Adoção do plea bargaining no projeto "anticrime": remédio ou veneno? Porto Alegre, 2019;
LANGBEIN, John H. Tortura e Plea Bargaining. In: “Sistemas Processuais Penais”. Florianópolis, 2017, p. 141;
MORENO, Ana Carolina. Entenda o que é o 'plea bargain', instrumento jurídico americano que está no pacote anticrime de Sérgio Moro. G1. São Paulo, 05/02/2019.  Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/02/05/entenda-o-que-e-o-plea-bargain-instrumento-juridico-americano-que-esta-no-pacote-anticrime-de-sergio-moro.ghtml>. Acesso em: 15/05/2019;
PIVA, Juliana Dal. Por que aprovar, ou rejeitar, o pacote anticrime de Moro. Época, Globo. São Paulo 10/05/2019. Disponível em: < https://epoca.globo.com/por-que-aprovar-ou-rejeitar-pacote-anticrime-de-moro-23655639>. Acesso em: 15/05/2019;

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